O pacote de biscoitos estava fechado. Sentada, esparramada no sofá. A jovem, lá pelos seus 20 e poucos anos está com fome. Puxa a fita lateral, abrindo com delicadeza o pacote. Os biscoitos são do tipo comum, com recheio de chocolate.
Cultuou desde a infância um jeito próprio de comer esse tipo de biscoitos. Um por um, abre e separa o recheio da parte crocante.
Come primeiro a parte dura, sem-graça e difícil de engolir. Depois vem a hora de saborear a parte mole, doce e delicada.
Com a TV desligada, os devaneios tomam conta. E a jovem começa a comparar sua vida com aquele processo de comer biscoitos.
Veio primeiro a fase dura e sem-graça. É bem verdade que foi preciso tomar bons copos d'água para ajudar a engolir certas coisas. Mas chegou o momento de se fartar com a melhor parte. Açucarar a boca, ativando hormônios, como faz o chocolate que libera endorfina, relaxando os músculos ao mesmo tempo em que dá energia, e deixando estampado em seu rosto uma leve expressão de satisfação.
Foi ela que cultivou esse jeito de encarar as fases da vida, ou foi a vida que resolveu separar a parte boa da ruim? É a jovem que prefere acreditar que depois de se esforçar e comer [ até com certo gosto] a parte ruim, tem sempre a parte boa para deixá-la contente?
Prefiro acreditar que em todo pacote de vida há vários biscoitos, cujo sabor vem ao acaso. Cada biscoito, cada momento da vida, tem sempre partes duras, que podem (ou não), vir recheadas com momentos bons. Cabe a cada um decidir o melhor modo de saborear os biscoitos, e não deixar nenhum farelo para trás.